quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Nada menos que o topo...



por Ricardo Leandro



“ Boa noite, quero começar o Jornal da Globo de hoje dando parabéns a alunos e professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso, o melhor curso superior do país.” Com essas palavras Cristiane Pelágio (umas das mais renomadas jornalistas do país) abriu o Jornal da Globo do 06 de Agosto de 2008. Era uma quarta feira e eu tinha acabado de assistir a derrota por 2 a 1 do Flamengo para Goiás (pelo menos foi para o Goiás) estava chateado, o sonho do Hexacampeonato nacional parecia ainda mais distante agora, mas Cristiane Pelágio veio salvar minha noite.



Em seguida veio duas reportagens uma falando do resultado do ENADE e outra apresentando detalhes da FCM – UFMT ao Brasil e mostrando por que havíamos tirado o primeiro lugar entre 3239 cursos avaliados em praticamente todas universidades do país. Senti um orgulho que não sentia desde os tempos de vestibulando. Foi ótimo ver meus colegas em rede nacional. Queria ter aparecido também, mas alguém tinha que trabalhar naquele hospital, maldita UTI Neonatal!!



Sou obrigado a confessar, sobre risco de ser lixado, que em 2003 a UFMT era minha 3º opção, atrás da UFG e da FMTM (agora UFTM), as razões eram puramente geográficas, queria ficar o mais próximo possível do seio materno. Mas como diz o provérbio mais gasto do mundo “Deus escreve certo por linhas tortas.”



Quando cheguei aqui logo percebi que a UFMT tinha duas coisas, bons alunos e uma vontade imensa de crescer. A diretoria fazia sua parte, reformava salas de aula comprava computadores investia em conforto e infra-estrutura . Salas de aula com data show, poltronas em vez das velhas carteiras de madeira, modernos laboratórios de informática, biblioteca bem equipada... as vezes me perguntava se estava realmente em uma universidade pública. Estava sim, mas não em qualquer uma.



Nos primeiros anos pude comprovar que o nível de aprendizado aqui era acima da média, e em 2004 veio a confirmação nota máxima no ENADE, apenas 5 faculdades de medicina conseguiram isso na época e estávamos lá.



Em 2007 comecei o internato, com bastante medo confesso, mas a convivência com residentes formado nos mais diversos lugares me fez perceber que os alunos daqui são muito bons, não que os outros sejam ruins, são bons também, mas sem dúvida somos melhores. Faltou modéstia?! Não é hora para isso...



Quando Cristiane Pelágio abriu o Jornal da Globo daquela 4ª feira eu vi que é verdade, Deus realmente escreve certo em linhas tortas, minha 3º opção deveria ser a primeira e que aquela questão idiota que eu errei e me tirou da UFG foi a melhor coisa que me aconteceu na vida.



Me formo em 4 meses e só tenho a agradecer ao Mato Grosso a UFMT e todos os meus colegas e agora seja lá onde eu vá fazer residência ou mesmo trabalhar vou ter uma certeza. Sempre que me perguntarem onde eu formei vou sentir novamente esse orgulho quando responder: “Formei na UFMT!”

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Exame para o CRM?

por Ricardo Leandro

Cheguei há poucos dias em Goiânia, vim passar minhas ultimas férias como “rerez mortal” perto da minha família, logo de cara me deparei com diversos altidores fazendo campanha para as duas chapas que concorrem para a Diretoria do CRM local. Engraçado como a medicina pode se aproximar da política... deveríamos ter mais com que nos preocupar.

O que me chamou atenção nos altidores foi a briga em relação ao tão falado “exame” para o médico conseguir se registrar no conselho e poder trabalhar legalmente em outras palavras tirar seu “CRM”. Uma chapa radicalmente a favor e outra radicalmente contra. Argumentos são muitos de ambos os lados e sinceramente não me interessam muito, não vou votar mesmo e se votasse não seria aqui. Mas uma coisa tenho que dizer, não conheço os “Doutores” a favor do exame, não sei seus nomes e muito menos o que fizeram pela medicina neste estado que tanto amo, mas que deixei há seis anos, porem concordo com eles, está na hora de nós médicos deixarmos de ser hipócritas e admitir que o grande numero de escolas médicas em nosso pais fez cair muito a qualidade do nosso ensino. Está na hora de admitirmos que hoje o Brasil forma um grande número de médicos despreparados que só vão ter noção do que é a medicina após anos exercendo-a e enquanto isso a população serve como fonte de aprendizado para que os mesmos aprendam com os próprios erros.

Aprender errando não é ruim, é assim que deve ser feito, mas o local para isso são os hospitais universitários onde existem preceptores para corrigi-los antes que os erros saiam dali e prejudiquem alguém. Errar com vidas alheias é crime.

Lembrei-me de uma história que eu mesmo presenciei meses atrás em um hospital em Cuiabá, onde o plantonista responsável era um jovem “Doutor” de vinte e poucos anos, recém formado em uma “UNIPONE” da vida.

Eram 07:45 da manhã, o jovem médico recém chegado com o seu CRM ainda novinho recebeu o plantão do colega que estava a noite. Junto com ele compareciam ao hospital alguns internos (acadêmicos do 6º ano) para evoluir os muitos pacientes ali internados. As evoluções vão caminhando bem e a função do jovem doutor passa a ser apenas a de supervisionar o que os acadêmicos estão fazendo, trabalho fácil para quem não tem segurança, basta concordar.

As 08:30 um interno avisa que o seu paciente não está muito bem, e que precisa de uma avaliação mais detalhada, logo chama o recém formado, único com um CRM em mãos para que ajude nas condutas. Cadê os preceptores? Era sábado, impossível contar com algum deles antes das 10:00.

Correm para junto do paciente o jovem medico e vários internos curiosos, um senhor de 70 e poucos anos internado ha vários dias tratando uma tuberculose complicada por uma pneumonia luta de forma valente para conseguir respirar, o monitor ao lado do leito mostra que a saturação de oxigênio está baixa... 90%.

“Estava em 95% há dez minutos” informa o interno que cuidava do caso. Todos aguardam pela conduta do único médico formado presente.

Minutos de silêncio se prolongam enquanto observam o monitor e a luta solitária do paciente, nenhuma palavra é proferida pelo plantonista a saturação agora é de 87%.

Um interno com toda a sua experiência diz: ” Vamos fazer um CPAP “(ventilação não invasiva). o plantonista rapidamente concorda e solicita a enfermeira que chame o fisioterapeuta para ajudar no procedimento. Antes que ela saia outro interno grita: “Faz 200mg de hidrocortisona nele agora.” Ela olha para o médico com ar desconfiada e o mesmo concorda balançado a cabeça.

Realizado a medicação e o paciente apresenta melhora na saturação com a ajuda do CPAP, porem fica evidente que o mesmo não consegui manter a respiração sem o equipamento. E a saturação logo volta a cair.... 80%.

Alguém sugere: “Vamos entubar.” O plantonista reluta, confessa que nunca fez tal procedimento. É logo repreendido por uma futura colega: “ você é o responsável, podemos entubar agora ou deixar para treinar quando ele for a óbito, a escolha é sua.”

Solicita-se o tubo: número 8 por favor.

Após 5 tentativas o médico mostra um grande talento para endoscopia, conseguiu acertar o esôfago do paciente em todas. E a saturação cai levando junto a freqüência cardíaca. “vai parar...”

Logo um interno perde a paciência e com certa grosseria toma o tubo do plantonista e faz o procedimento ele mesmo, ufaaa! Foi de primeira. Sorte? Talvez.

Mas já era tarde apesar do monitor acusar uma atividade elétrica cardíaca o paciente não tinha mais pulso.

Parou... Afirma o interno que checava o pulso.

Não parou o monitor ta mostrando ritmo - Questiona o plantonista.

Ritmo?? Belo ritmo.

Inicia-se a massagem cardíaca.

O plantonista pega os desfibrilador e coloca as pás no peito do paciente, a enfermeira logo pede para que ele inverta as pás pois estavam trocadas.

O desfibrilador confirma o ritmo do monitor e alguém fala: AESP (atividade elétrica sem pulso).

Afastem que vou chocar. (Enfim uma conduta do plantonista).

Nãooooo. Gritam os internos em coro. Não se choca AESP.

Uma ampola de adrenalina agora - grita um interno para enfermeira. Vamos massagear.

Após cerca de 10 minutos massageando, ventilando e 3 ampolas de adrenalina o paciente volta apresentar pulso. Colocado em ventilação mecânica. felizmente o fisioterapeuta sabia regular o respirador.

O paciente sobreviveu, foi para a UTI e recebeu alta de lá após uma semana, alguém lá em cima deve gostar muito dele.... dele e do jovem “doutor” que felizmente não terá seu “CRM” ameaçado.
(baseado em fatos reais)

domingo, 6 de julho de 2008

Não Deu...

por Ricardo Leandro



Essa semana me candidatei a orador da minha turma.
Por que queria isso? Sinceramente não sei ao certo.
Vontade me exibir? Possível, porem improvável, faz muito tempo que escrevo e só recentemente comecei a assinar meus textos, sempre preferi jogá-los na net e me reservar o direito do anonimato. Até que um dia encontrei um texto meu no orkut assinado por outra pessoa.
Bom! Recebi hoje a noticia que não fui escolhido. Triste? Fiquei sim. Já tinha imaginado a emoção da minha mãe quando chamassem meu nome. E já tinha me cansado de ensaiar aquele discurso, o pessoal da minha republica não agüentava mais... rs
Mas tudo bem, pessoas competentes vão fazer esse papel e outras mães se emocionarão. Talvez eu não leve jeito mesmo. Afinal quem me conhece sabe que tenho o costume de trocar o “R” pelo “L” (famosa sindrome de cebolinha). Mas acho que não foi isso, pois recebi o prémio de consolação de fazer uma leitura de homenagem aos colegas. Meus colegas foram melhores mesmo e será um prazer fazer uma homenagem a eles.
Desejo com todo carinho e sem rancor boa sorte aos oradores.

Segue abaixo a prévia do meu discurso que infelizmente não poderei ler na colação de grau.

Senhores pais, amigos, familiares, convidados e membros da mesa diretora, boa noite!

Esse nosso encontro de hoje, infelizmente, não é feito só de alegrias em meio à beleza dessa conquista não podemos deixar de lembrar que hoje é também um dia de despedidas. Hoje grandes amigos que se conheceram na luta por um sonho comum irão se separar. Agora com esse sonho concluído e o gosto da vitória na boca iremos seguir caminhos distinto, cidades distintas, especializações distintas. Mas, com certeza, cada um de nos irá levar consigo todas as lembranças dos inúmeros bons momentos que passamos juntos e cada oportunidade de reencontro será sempre motivo da mais sincera alegria.

Foram 6 longos anos e hoje quando me lembro do 1º dia na FCM parece que o tempo voou, porem quando refaço mentalmente o caminho sinto nas costa os peso desses anos. Há 6 anos tínhamos em comum: o sonho de ser médico e o total desconhecimento do que isso significava, mas com o passar dos anos fomos descobrindo a ferro, fogo e sorrisos o que é um médico. Nesses anos amizades surgiram e se fortaleceram, namoros se iniciaram, namoros terminaram, cabelos caíram barrigas cresceram, adolescentes desajeitadas se transformaram em mulheres lindas e pouco a pouco médicos foram se formando. Nesses anos conhecimentos foram sendo adicionados a nossas mentes leigas, valores éticos foram se incorporando ao nosso comportamento e como quem brinca de crescer nos tornamos médicos, no sentido amplo e verdadeiro da palavra.

Está no dicionário. Médico: “individuo que se especializou na arte de curar doenças”. E não tenham duvidas, a medicina é sim uma arte, é um sacerdócio e como os padres que fazem seus votos de servir a igreja e a Deus, hoje faremos nossos votos de servir a medicina e ao homem, hoje abriremos mão de nossas vidas e quando digo, abrir mão, não me refiro apenas a momentos de lazer, me refiro a nossa identidade, não se separa um médico de sua profissão ele não deixa de ser médico quando vai dormir ou quando vai a uma festa. Há qualquer momento ele estará pronto para servir, pronto para exercer sua arte, pronto para viver a vida que escolheu.

Essa foi a escolha em comum que fizemos e se hoje podemos ter a vida que escolhemos é por que cada pessoa presente aqui nos ajudou a tornar isso possível, cada presente com certeza deu a sua contribuição, pequena ou grande, financeiramente ou com palavras para que esse dia chegasse.

Esse dia era ha muito esperado e sem duvida é especial, e agora que ele chegou quero finalizar dividindo com quem realmente merece, por favor, não aplaudam esse discurso ou mesmo a nós formandos. Os aplausos de hoje devem ser para aqueles que lutaram e nos incentivaram para que pudesse estar aqui: pais, familiares, professores, amigos namoradas e namorados os aplausos de hoje são de vocês.


Muito Obrigado pela atenção.

PS.: Reparem que tive o cuidado de não usar palavras que tenham ao mesmo tempo “R” e “L”.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Na faculdade de Medicina descobri...




por Ricardo Leandro

Descobri que por mais que você faça planos, as coisas nunca serão como você espera. E que por melhor que você seja ninguém vai estar interessado nisso, só importa o que você faz e não que tipo de pessoa você é.

Descobri que sucesso é uma coisa que fica muito alta e quando você acha que alcançou acaba percebendo que ainda falta um degrau, e mais um...

Descobri o verdadeiro significado da expressão: “faça o que digo, e não olhe o que faço!” Meus conselhos são muito bons, para os outros, é claro!

Descobri que para ficar doente você só precisa estar saudável e que para morrer você só precisa estar vivo.

Descobri que o ser humano se acostuma com tudo, até mesmo com a fome e a dor, e que é dever do médico chamá-lo para a realidade.

Descobri que o sofrimento faz parte do círculo da vida e que cedo ou tarde ele acaba te pegando. E descobri que alivia - lo é o melhor pagamento que posso receber, porem às vezes tudo que posso fazer é usar um eufemismo.

E por falar em eufemismo, finalmente descobri para que eles servem. A verdade pode ter muitas versões dependendo do preparo de quem vai ouvi-la.

Descobri que são os médicos que sustentam a indústria cafeeira. Ah, o café...

Descobri que vão acabar me pagando um bom salário, mas em troca irão pedir minha alma. Tudo bem! Se paga bem, que mal tem. Eu não tinha planos para ela mesmo.

Descobri que, assim como acontece com os padres, as pessoas vão sempre olhar para mim e ver um médico, e que minha antiga identidade não existe mais.

Descobri que as pessoas irão tirar o sapato para mim em festas e me perguntar como tratar uma micose. E torço para que seja só os sapatos.

Descobri que passar remédio é fácil, difícil é tomar. E que um bom paciente é quase tão raro quanto um bom médico.

Descobri que por pior que seja uma pessoa, ela também sente dor e que não cabe a mim julga – lá. Apesar da tentação ser grande.

Descobri que médicos são pessoas metidas e insensíveis, e o pior foi que descobri que eu sou assim.

domingo, 30 de março de 2008

Um dia na vida de um cirurgião

por Ricardo Leandro



Um dia na vida de um médico hoje em Cuiabá - MT... que se repete em todas as capitais brasileiras. Um país de vergonha.

Doze horas de plantão Noite de sexta-feira. Às 19h quatro cirurgiões e mais outros médicos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem e pessoal de apoio assumem a emergência do PS de Cuiabá. Muita gente não quer trabalhar lá, paga mal e as condições não são as melhores. É correr riscos em vão.

A equipe anterior passa três pacientes cirúrgicos, dois dos quais muito graves.O Rx está quebrado. Apenas um anestesista no plantão, o outro está de férias. Quer dizer, de férias desse emprego. Nunca conseguiu conciliar as férias dos dois empregos. O ortopedista têm dois pacientes com fraturas expostas para operar. Metade dos acadêmicos de medicina faltou o plantão. Eles têm prova segunda-feira. Hoje em dia é assim.

É passada a situação para a Central de Regulação de Leitos. Eles informam que a coisa está feia também nos outros hospitais. O HGU tem oito cirurgias indicadas. O PS de VG, seis. Dois cirurgiões sobem para começar as cirurgias. Antes, uma junta médica relâmpago. Quem vai primeiro? Faz-se o ranking. São 22h. Os pacientes com fraturas expostas estão operados. O anestesista já está de mau humor. Já sentiu que a noite vai ser comprida. Que sono! Prestes a começar a décima cirurgia do dia. A sala de recuperação está lotada e não tem vaga na UTI. A ambulância do hospital não pára de levar pacientes para fazer radiografias no PS de VG.

Uma paciente grave da enfermaria de clínica médica desce às pressas para o setor de reanimação. Só tem um elevador funcionando. Que aperto! Entubada. O maqueiro ventila a paciente. O outro levanta o soro. O médico faz a massagem cardíaca. Ela parou de novo. O suor do clínico escorre pela testa. A filha da paciente chora.O coração volta a bater. Já se sabe: não há vaga na UTI. Ganhará na loteria? Terá direito a um respirador na Reanimação? Graças a Deus tem um Bird Mark 7, Um dos mais modernos da década de oitenta.

A 1h da manhã é atendido um senhor de 70 anos com dores fortes no abdome. Seu nome: Severino. Veio do interior do Estado. Estava internado no hospital local há três dias sem melhorar. Após ser examinado na única maca disponível para atendimento, é medicado, solicitam-se alguns exames e reserva-se sangue. Tem que desocupar a única maca disponível para atendimento. É colocado numa cadeira no corredor com seu acompanhante segurando o soro. Em meio a face de sofrimento e a postura curvada pela dor, ainda consegue esboçar um sorriso e dizer: "primeiramente Deus, depois o senhor, doutor." Aguardará até chegar sua vez. Ele tem um abdome agudo e necessita ser operado. Qual a causa? Uma úlcera perfurada? Não dá muito tempo para raciocinar. Mandá-lo para o PS de VG fazer uma radiografia? É judiar demais. Está indicada a cirurgia e ninguém tem dúvida.

Bate fome. Alguns nem jantaram. Pede-se um lanche. Aqueles sanduíches cheios de gordura com refrigerante e uma conversa de cinco minutos foi o combustível para continuar. Chega a vez do Sr. Severino. São 3h da manhã. Os cirurgiões se revezam na madrugada. Sempre dois operando, um atendendo e outro descansando.

Chove lá fora. O movimento diminui. Uma sirene. Som não desejado. Chega um paciente baleado no abdome em choque hipovolêmico. Trazido por policiais com história de que estava assaltando e matou um pai de família. Tem 19 anos. Conhecido como Rico. Ricardo? Ele nem fala. Acorda quem estava dormindo para ajudar. Veia, volume, sangue. Às pressas é levado ao centro cirúrgico. É operado, sai da sala de cirurgia às 7h30. Estável. Sr. Severino sobrou.

Os cirurgiões estão exaustos de uma noite toda operando. São rendidos por outra equipe que por azar está desfalcada. Tem um cirurgião de férias e o outro foi assaltado na vinda para o hospital. Levou um tiro no antebraço. Passa bem. Comentam rapidamente quanto cada um recebeu de produtividade este mês. Os valores variam de R$37 a R$178,00. Algumas risadas. Um nota que a barriga do outro está crescendo. Outro comenta o sucesso da madrugada. Um ar de orgulho e superação. Fora outras lesões, realizou uma boa abordagem e reparo numa lesão de veia cava. É a segunda vez da sua vida que ele opera este tipo de lesão. Um dos cirurgiões que está saindo vai correndo para casa. Tem oito chamadas não atendidas no seu celular. Sua esposa também é médica. Está de plantão no sábado 24h numa maternidade e ele tem que cuidar do filho. Ambos atrasados. Um vai para seu respectivo hospital onde faz residência. Os outros dois vão para policlinicas para mais uma batalha pelo SUS.

Todos já são cirurgiões formados e querem fazer uma segunda residência em especialidades diversas. São cinco anos de residência em média fora os seis de curso. Engraçado, ninguém tem cabelo branco. O mais velho tem 30 anos. Há dez anos tinham mais cabeças brancas na linha de frente.

Bom, um novo plantão já começou. Só dois cirurgiões. Depois de evoluírem os muitos pacientes internados na própria emergência em macas há dias, fecham o atendimento a pacientes cirúrgicos e sobem para começar as cirurgias. Já chegaram mais pacientes cirúrgicos e o cirurgião já começou o dia brigando com os médicos da central de regulação por que eles estão sozinhos e eles continuam mandando pacientes. Parecem jogadores do mesmo time brigando quando o time, ou o clube, ou o técnico vão mal.

A enfermeira chama:tem um paciente parado no setor de Reanimação. Era Sr. Severino que aguardava por cirurgia e caiu no chão próximo ao banheiro. Foi arrastado pelos próprios pacientes e acompanhantes até a Reanimação. A reanimação cardiorespiratória é feita no chão. Ele não resiste. Uma semana depois o Rico teve alta para o presídio e voltará três meses depois para reconstruir o intestino. Saiu com uma colostomia. /O MÉDICO BALEADO FICARÁ TRÊS MESES SEM OPERAR. / /O CASAL DE MÉDICOS E SEU FILHINHO SE ENCONTRARAM DOMINGO À NOITE. ELE TINHA MAIS UM PLANTÃO NO DOMINGO DIA. O LANCHE CUSTOU R$37. / A família humilde do Sr. Severino aceitou a "vontade de Deus".

(Baseado em fatos reais.)

terça-feira, 25 de março de 2008

Quero ser médico...

por Ricardo Leandro

Quando foi que escolhi isso para minha vida? Agora que estou perto de me formar parece que já nasci com essa vontade, mas no fundo eu sei que não foi bem assim...

Quando penso no primeiro dia na faculdade parece que foi ontem, mas quando refaço o caminho sinto o peso dos anos. Agora olho para meu computador, no canto inferior direito um pequeno contador regressivo marca 291 dias 12 horas 28 minutos e 09 segundos. Dizem que quando a gente conta o tempo ele passa mais devagar, espero que seja verdade, essa é a função do contador, retardar o tempo. Por mais que eu sonhe com o grande dia quero ter mais tempo para me preparar, mais tempo para poder errar e ter quem me corrija.

O mundo lá fora parece selvagem, por enquanto ainda me sinto um garoto protegido por uma redoma de vidro da selvageria do mundo, mas daqui 291 dias ela vai se quebrar e terei que enfrentar o mundo como um adulto.

Adulto?! Apesar da minha idade e de estar ouvindo muito essa palavra recentemente eu nunca me senti assim, mas agora não tem saída: eu vou ter que ser adulto, eu vou ter que ser médico e agora só faltam 291 dias 12 horas 06 minutos e 42 segundos.